02 maio 2018

STF interrompe julgamento que restringe foro privilegiado faltando um voto

Placar atual é de 7 a 3 pela restrição, o que mandaria, na teoria, processos da Lava Jato para a primeira instância judicial. Mas ainda não há definição clara sobre o alcance prático da futura decisão.

O Supremo Tribunal Federal (STF) adiou para esta quinta-feira (3) a decisão de reduzir parte dos direitos concedidos pelo foro privilegiado a políticos que são alvo de investigações e processos na Justiça. A sessão desta quarta-feira (2) terminou sem o voto de Gilmar Mendes, assim como as considerações finais do relator, Luis Roberto Barroso.

Já existe maioria de 7 a 3 para restringir sensivelmente o alcance do foro especial por prerrogativa de função, mecanismo que garante a pessoas com cargo público responder a processos em tribunais superiores. Mas as mudanças só se dão, de fato, a partir do resultado final – ainda há possibilidade de um pedido de vista por parte de qualquer um dos ministros, ou mesmo uma reconsideração do voto proferido.

Pelo novo entendimento, apenas crimes praticados no exercício do mandato ou em função do cargo continuarão a gozar do foro privilegiado. Com essa decisão, centenas de processos que hoje estão no STF ou no Superior Tribunal de Justiça (STJ) podem descer para instâncias inferiores. Porém, ainda há uma série de indefinições sobre a execução da decisão. Não está definido, por exemplo, como ocorrerá essa transferência de instância. Acredita-se que pode acontecer uma análise caso a caso.

Por exemplo: a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) é acusada de caixa 2 na campanha ao governo do Paraná em 2014, quando já estava no Senado e, portanto, tinha foro. Não está claro ainda, se o caso dela será encaminhado à primeira instância. O mesmo ocorre com o senador Aécio Neves (PSDB-MG), com denúncias de corrupção durante a última campanha presidencial, quando foi derrotado. Ele estava no exercício do mandato no Senado, com foro, portanto. Mas, como não foi eleito à Presidência, pode ser julgado na primeira instância nesse caso?

Outra incerteza é quanto ao alcance da medida. Inicialmente, houve uma interpretação de que a restrição atingiria apenas parlamentares federais. No entanto, a decisão deve gerar uma jurisprudência para todas as autoridades com foro especial, o que geraria uma espécie de efeito cascata em outros órgãos federais, mas também estaduais e municipais.

Seis ministros concordaram com a tese do relator, Luis Roberto Barroso, de limitar o foro privilegiado aos crimes praticados no exercício do mandato e em função do cargo. Em seu voto, Barroso destacou que tramitam no STF mais de 500 processos contra agentes políticos – 435 inquéritos e 101 ações penais, segundo dados de maio de 2017. Votaram a favor de fixar um critério mais restritivo do foro: Marco Aurélio Mello, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Luiz Fux e Celso de Mello, além do próprio Barroso.

Um estudo da FGV Direito Rio sobre os processos criminais em trâmite no STF entre 2007 e 2016 indicou que mais de 90% das ações penais envolvendo políticos tendem a ser redistribuídas para a primeira instância caso a proposta de Barroso seja aplicada.

De acordo com levantamento do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado, um total de 54.990 pessoas têm foro privilegiado hoje no Brasil, dos quais 38.431 com previsão na constituição federal e 16.559 por normas estaduais e municipais.

Entre esses, há alvos da Lava Jato – mais de 20 senadores e 50 deputados federais. Todos ficariam sujeitos a perda de foro. Mas as questões ainda indefinidas deixam margem para diversas dúvidas.

Temor político
A demora em retomar o julgamento se deveu, em boa parte, à pressão de políticos que podem ser atingidos pela decisão. Em ano de eleição, caso não reeleitos, boa parte deles perderá o foro. Mas nem todos os processos seguirão para o juiz Sergio Moro, algo que a maioria dos políticos temem. O magistrado paranaense é responsável por boa parte das acusações que envolvem a Lava Jato.

Contudo, o destino final dependerá do local em que o crime foi praticado. Por exemplo, há acusações que esbarram nas investigações da operação e estão com o juiz Marcelo Bretas, no Rio de Janeiro – caso do ex-governador Sérgio Cabral.

Isso também vai influenciar no tempo de análise de cada processo. Moro e Bretas são conhecidos pela celeridade. Acontece que suas varas são restritas a ações da Lava Jato, e não recebem processos sobre outras coisas, o que dá mais agilidade nos julgamentos.

Longo julgamento
A votação da restrição do foro havia sido suspensa em novembro do ano passado, quando o ministro Dias Toffoli, que assume a presidência da Corte em setembro, pediu vista. Em seu voto, disse ser favorável às atuais regras do benefício. “Sou favorável às regras de prerrogativa de foro, pois entendo que numa federação complexa e desigual, quem deve julgar as autoridades máximas do país não deve ser o poder local, a polícia, no caso, um poder de primeira instância”.

Em duras críticas a quem atribui a impunidade às concessões possibilitadas pelo foro, Toffoli falou em preservação da “imparcialidade”. “Além de evitar manipulações políticas no julgamento e a subversão da hierarquia, a prerrogativa de foro tem como privilegiar a máxima imparcialidade no julgamento. (...) dizem que resultou em cultura da impunidade. O que não se fala é que só há bem pouco tempo as instituições brasileiras passaram a ter condições normativas e institucionais para atuar de forma independente no combate à corrupção”.

O ministro Alexandre de Moraes concordou com a restrição do benefício, mas defendeu que o foro deveria valer para crimes cometidos a partir da diplomação dos parlamentares, independente da relação com o cargo. As críticas à tese de Barroso passam pelas possibilidades de múltiplas interpretações e incertezas.

Ricardo Lewandowski também corroborou com a tese de Alexandre de Moraes e Dias Toffoli. Durante sua exposição, Gilmar Mendes, cuja exposição do voto ficou para amanhã, fez diversas ponderações que já dão pista de sua posição – o placar final deve ser de 7 a 4 pela restrição.

Ele disse que não deseja ser “profeta do mal”, mas afirmou: “Se está encaminhado para isso, eu já adianto: não vai dar certo, vai dar muito errado. Temos que avançar em algumas outras premissas. Tem que ficar limitado a situações de simetria do plano federal”.

E ainda completou: “É muito fácil enganar o povo. E nem é proibido enganar o povo. Mas é cruel enganar o povo. Temos que deixar claro que estamos fazendo uma grande bagunça. Aquilo que estamos estabelecendo para os políticos também estabelecemos para todos. Vamos avançar e assumir isso.”
gazetadopovo

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